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  • Camilo Mota

DO CRISTO EM NÓS



Camilo Mota


Nasci numa família católica, e toda minha infância e adolescência foi um período de formação de uma sensibilidade peculiar ao cristianismo, com seus ritos de passagem, seus símbolos e, principalmente, a percepção de uma força que emanava da presença do Cristo em nós. Uma das mais marcantes experiências foi a primeira comunhão, que me levou ao vislumbre do que mais tarde vim a chamar de meditação. Comungar, ajoelhar, fechar os olhos e estabelecer uma conexão profunda com o dentro de mim, onde havia uma chama viva contando das realidades espirituais. Aquilo me renovou para um novo ciclo. Eu tinha apenas 10 anos.


A força da vida do Cristo e sua mensagem nunca me pareceram algo distante, que se precisasse buscar fora. Sempre esteve ali ao meu alcance. Ao longo dos anos, houve momentos de descrença, de rebeldia, e também de outras buscas, necessárias, para consubstanciar aquilo que eu sentia e precisava fazer sentido para além das ideologias, ritos e dogmas. Passei por Francisco de Assis, Tomás de Kempis, Wilhelm Reich, Carl Jung, a Ordem Rosacruz, a União do Vegetal, a Fé Bahá’í, entre tantos outros caminhos trilhados e por trilhar. Em cada uma dessas passagens, fui alimentando dentro de mim uma certeza que já estava comigo desde muito antes, na infância, quando, à noite na cama, tinha uma sensação indizível de acolhimento, de fazer parte de um todo.


Reich, em seu “O assassinato de Cristo”, nos convoca a enxergar o messias como força vital, como potencial de conexão com a vida, superando, em certa medida, a imagem tão carregada de sofrimento representada pela crucificação, o castigo de se ser tão vivo. Essa cruz é o que os homens continuam praticando em seu dia a dia quando negam os valores mais profundos da vida, esse mistério que me espanta a cada novo nascer do sol. O que me empolga é o Cristo homem em sua potência de viver a plenitude da própria vida, trazendo em seu modo de existir os valores que estão bem representados no símbolo da luz, da paz e do amor.


A luz do discernimento, da clareza mental, para enxergar além do véu da matéria os verdadeiros fluxos do espírito, da energia vital que está em todas as coisas e seres. A paz interna que se conquista com a confiança, a firmeza e a serenidade para enfrentar aquilo que nos parece transitório e às vezes ameaçador. Maior ameaça é se afastar dessa paz e se deixar consumir pelas vicissitudes do tempo cronológico. E o amor, que é o maior presente que recebemos e que nem nos damos conta de zelar por ele. Pois que é um sentimento que precisa de atenção. É no amor que desenvolvemos a arte do desprendimento, e é através dele que percebemos a luz e a paz.


Cristo é também, com toda sua grandeza, o exemplo que o mestre deve dar aos discípulos: a humildade. Não a subserviência, mas a expressão daquilo que deixa transparecer. Não é porque se alcança um estado tal em que se sabe unido ao universo, que se deve vangloriar por isso. O mestre é o que está sempre servindo, zelando, sendo cordial e generoso, porque ensina o caminho, não apenas com palavras, mas principalmente com seus atos. É o Cristo que acolhe a prostituta, que toca os leprosos, que lava os pés dos discípulos e, o que me parece mais sublime, se deixa batizar por João Batista. Este é talvez um dos mais belos mistérios da narrativa bíblica do Novo Testamento.


E quando penso nos homens esperando a volta do Cristo, lembro uma fala do amigo José Lucio de Souza, dizendo que Jesus nunca deixou este mundo. A sua presença é constante. Pois que a vida, essa palavrinha de quatro letras, carrega dentro de si tudo o que é, que foi e que será. Nós nem sabemos dimensionar o que seja isso. O Cristo é o espírito da vida, sua alma, que atravessa todos os instantes e permanece. Essa força está em todos os credos, em todos os momentos em que o ser humano se percebeu parte da Criação e quis dar nome a isso. Esse mesmo espírito inspirou os corações de Krishna, Buda, Moisés, Bahá`u`lláh, e também se expressou através das mitologias ameríndias, africanas, e em cada canto desse planeta quando alguém percebe que é irmão das pedras, das folhas, de todos os seres vivos e das estrelas.


Mas tudo isso que escrevi são apenas palavras bonitas, que podem fazer algum sentido. No entanto, de nada valem se não as sentirmos por dentro e por fora através de atos, de ações que expressem a força da vida, sua pujança que é puro amor, amor verdadeiro. Mas transformar isso tudo em ação é doloroso. Assim como o xamã que precisa experimentar a morte para renascer sob o domínio dos espíritos, também o homem precisa aprender a abrir mão do orgulho, do egoísmo, dos apegos, da vaidade, para deixar brilhar a sua luz verdadeira. O Cristo histórico acabou vencido por essa força que insiste em apagar a vida, mas seu exemplo e força persistiram através do tempo. Os homens ainda tentam entender o que ele quis dizer, mas se desviam em suas vãs fantasias. Ele apenas disse: ame. Mas como diz Beto Guedes, a lição sabermos de cor, só nos resta aprender.


Camilo Mota é psicanalista e terapeuta holístico. Instagram: @camilomota_psicanalista.

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