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  • Camilo Mota

O PACTO E O PARTO ANALÍTICO



Camilo Mota


O encontro que acontece numa clínica analítica tem sempre um caráter de surpresa ou de espanto. Afinal, cada sessão terapêutica é inédita: está sempre se realizando pela primeira vez. Por mais que criemos (analistas e analisandos) uma sensação de continuidade, há uma virtualidade sempre a nos espreitar, se revelando através das transferências ou agenciamentos. Inconscientemente estabelecemos um pacto que conecta nossas potencialidades em meio a um contexto que visa, sobretudo, a transformação.


O que fazemos com esse pacto varia de caso para caso. Há o desejo do analista, que às vezes se impõe como um fantasma ou uma visita que não se esperava, mas que chegou bem na hora do almoço e quer se alimentar conosco. Aqui pode ser que aconteça aquele velho vício do poder, do lugar do suposto saber, que cria zonas de desconforto quando tudo parece estar caminhando na direção errada. Mas, afinal, quem determina a direção? Quem dirige o vento quando ele sopra ou quer se tornar um furacão? Ou apenas brisa? O desconforto do analista existe e é um ponto de passagem para reavaliar o pacto, e deixar fluir os novos rumos que porventura possam estar surgindo e nem nos damos conta disso em nossa tendência de querer ter o controle de tudo. Estamos na zona de passagem do parto.


Há sempre um novo nascimento. E outro e mais outro, que vão surgindo a cada sessão.

O analisando também se configura muitas vezes no pressuposto dos pactos subentendidos (ou mesmo acordados entre ambos, como a livre associação ou ainda um exercício de técnica cognitivo-comportamental ou de meditação). E surgem aqueles momentos em que o cachorro corre atrás do próprio rabo, em que os pensamentos e os relatos se repetem, e o analisando não se dá conta do que está sendo gestado ali. Alguns terminam a terapia somente por isso. Não quiseram esperar o parto. Adiaram o nascimento ou apostaram numa geração espontânea, num fluxo que vai levar a algum lugar sem ter de passar pelo encontro analítico. No entanto, o encontro aconteceu, ficou no registro, gerou alguma potencialidade.


Qualquer movimento que se faça na clínica, por mais imperceptível que pareça, gera transformação. É da natureza humana se modificar a partir da conexão com os outros seres (humanos, máquinas, bichos, pedras, plantas). Em todas as situações criamos nossos próprios pactos e esperamos que algo nasça disso. Mas é preciso ter a coragem de acontecer, enfrentar as dores e as delícias, as freadas bruscas e o deslizar empolgante de um tobogã ou de uma montanha russa. Ao final, haverá um novo ser passando, criando novos sentidos e redefinindo sua subjetiva e singularidade.

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