- Camilo Mota
Tornar-se aprendiz

Camilo Mota
Aprender é um ato vital, é o que nos conecta ao fluxo constante das transformações. Não me refiro apenas ao saber intelectual, à apreensão de conteúdos e fórmulas pragmáticas, mas também ao interesse por tudo que nos acontece e que se nos apresenta como um limiar, uma zona de passagem que nos cause modificação.
Quando, em algum momento da vida, chegamos a afirmar "já sei isso, já conheço aquilo", acende-se o alerta: em que momento deixamos de perceber a vida? Porque se estabelecemos o conhecimento como algo imutável, apegamo-nos a uma fixidez mortal. Enrijecemo-nos em nosso processo de vida, tornando-nos senhores de um território inviolável. Nem nós mesmos podemos tirar alguma coisa do lugar com o risco de destruirmos a estrutura que criamos ou que para nós foi criada pelos discursos prontos do campo social.
A vida é processo e a todo instante criamos marcas, fronteiras, delimitamos territórios, damos nomes às coisas. Ao cartografarmos nossa jornada, é interessante percebermos que mapa estamos construindo e em que medida estamos dispostos a alterar os espaços, desbravar outros caminhos, inventar saídas.
Há tanta coisa ainda a aprender. A começar pelo conhecimento de si mesmo, das dinâmicas interações que nossa mente estabelece com as forças que atravessam nossos corpos, seja o desejo sexual, a raiva, o espanto, o susto, a alegria, a ansiedade. Não há apenas um caminho para o desejo, mas infinitas possibilidades. No entanto, tantas vezes, nos acostumamos a apenas uma saída, uma liberação única e imutável. O fluxo neurótico ou perverso nos condiciona a sermos apenas um, quando há uma possibilidade (ou necessidade) bem maior na loucura. Ser louco é apenas uma expressão do caos, e somos tão medrosos diante sua presença, que armazenamos defesas no ego para impedir seu acesso à consciência.
A loucura é o alimento do artista porque é pura criação, é onde se refaz a própria cartografia dos desejos. Aprender a loucura não é somente estudar sua psicopatologia, confinando-a a um repositório de diagnósticos, mas precisamente aprender a usá-la como instrumento de transformação da realidade.
Essa loucura da qual falo não é patológica, não frequenta consultórios, ainda que possa ser usada ali nos grandes momentos da invenção klínica. É o estado de impermanência, de indeterminação, que só se alcança quando se está aberto para a experimentação. Experimentar a si mesmo é um desses aprendizados.
Um exemplo de uso. Quando você sentir alguma coisa estranha, um mal estar, uma ansiedade ou um pensamento que incomode, achegue-se mais para perto do seu corpo, perceba sua respiração, sinta o ar que entra e que sai de seus órgãos, e então comece a se mover tentando sentir como seu corpo flui em meio às sensações que o incomodam. Abra os braços, levante uma perna e outra, incline-se, enfim, dance. Deixe-se levar pela loucura de não saber para onde está indo, seja apenas fluxo. Desse caos, emergem outras marcas que irão redefinir seu território.
Aprenda pelo simples prazer de aprender. Toque tambor, pinte, rabisque, escreva um poema, meta as mãos na argila. Cada ato é a expressão da criação, sem fórmulas prontas ou intenções. Aprendamos a beleza de sermos intensos.
Camilo Mota é psicanalista, esquizoanalista, escritor, poeta, terapeuta holístico. Instagram: @camilomota_psicanalista
Foto: Alex Jones